23 janeiro, 2011

Entrevista: Erin Brockovich

Eu nunca desisto

A americana cuja vida virou filme estreladopor Julia Roberts diz que a atitude de cada um faz diferença contra as injustiças
Rosana Zakabi


"Se uma pessoa ousa dizer 'isso está errado', outras se sentem estimuladas a seguir seu exemplo"


Nos anos 90, a americana Erin Brockovich trabalhava num escritório de advocacia, como arquivista, quando se interessou pelo caso de uma empresa de eletricidade cujos dejetos estavam contaminando com substâncias tóxicas a água de uma pequena cidade da Califórnia. Durante cinco anos, ela visitou diariamente as famílias que viviam na cidadezinha, acompanhando os casos de envenenamento e reunindo provas para abrir uma ação judicial contra a companhia. Não desanimou até ganhar a causa, no valor de 333 milhões de dólares – dos quais recebeu uma comissão de 2,5 milhões. Sua extraordinária história de coragem e persistência foi contada em 2000 no filme que leva seu nome e deu um Oscar a Julia Roberts pelo papel-título. Até hoje Erin trabalha na mesma firma, como diretora de pesquisas. Dá palestras e presta consultoria sobre processos envolvendo resíduos tóxicos. Ela formou-se em moda e design, já foi corretora de seguros, vendedora numa loja de roupas masculinas e miss Costa do Pacífico. Aos 43 anos, vive com o terceiro marido e três filhos. Na semana passada, Erin concedeu a seguinte entrevista a VEJA.


Veja – A senhora acreditou numa causa, lutou por ela até o fim e venceu. O que é preciso para seguir seu exemplo?

Erin Brockovich – A atitude de cada um de nós faz toda a diferença e pode mover montanhas. Se uma pessoa ousa dizer: "Isso está errado, e eu posso mudar essa situação", outras se sentem estimuladas a seguir o mesmo caminho. Quando você se dá conta, já criou um movimento poderoso. Muitas vezes não temos consciência do tamanho de nossa capacidade. Ela geralmente é muito maior do que imaginamos. Mas primeiro precisamos aprender a gostar mais de nós mesmos e acreditar que somos capazes de realizar qualquer coisa que tenhamos vontade. Isso nos dá mais coragem e confiança para ousar e fazer o que parece impossível. Se pensamos assim, mesmo em caso de fracasso vamos tentar novamente até atingir nosso objetivo.


Veja – A senhora age com essa determinação o tempo todo?

Erin – Sim, o tempo todo. Hoje de manhã, por exemplo, meu marido estava me deixando louca, o cachorro sujou o chão, minha filha começou a me desafiar porque não queria tomar café-da-manhã antes de ir para a escola, o telefone não parava de tocar, eu tinha de conciliar minhas reuniões com a consulta ao médico que estou adiando há tempos. Então, antes de enlouquecer, fechei os olhos, respirei fundo e pensei: "Vou começar tudo de novo e vai dar tudo certo, porque sou capaz de realizar cada tarefa de forma satisfatória". Isso me deixou mais tranqüila e confiante. Tenho frustrações como qualquer pessoa e também preciso me policiar para que elas não estraguem meu dia.


Veja – A senhora especializou-se em ações contra empresas que contaminam o meio ambiente. Em sua opinião, as grandes corporações são inconseqüentes quanto à questão ambiental?

Erin – A sociedade em geral tornou-se nos últimos anos mais consciente em relação ao meio ambiente. As pessoas começaram a perceber que, se não cuidarmos dos recursos naturais, as conseqüências vão recair sobre a saúde dos nossos filhos, dos nossos netos. A maioria das grandes corporações está consciente disso. Mas algumas, infelizmente, não estão preocupadas com o dano que provocam ao meio ambiente. Poluem a água, o solo, o ar e, dessa forma, contaminam as pessoas que vivem nas proximidades, o que é muito grave. Muitos morrem devido aos problemas de saúde causados pela contaminação, e essas empresas não estão nem um pouco preocupadas com isso. Cinqüenta moradores morreram vítimas da contaminação depois que ganhamos a ação contra a PG&E, aquele caso famoso que virou filme. Se nada tivesse sido feito, o número de mortos teria sido bem maior.


Veja – A senhora não teve medo de enfrentar uma grande corporação?

Erin – Não, porque havia uma força muito maior que me movia naquele momento: a vontade de ajudar as pessoas atingidas pela contaminação e o senso de justiça. Quando descobri que a vida daqueles moradores estava em perigo e que a culpa era de uma empresa de eletricidade, passei a desejar que a justiça fosse feita. No início, todo mundo, inclusive meu chefe no escritório de advocacia, achou que eu estivesse louca pela simples idéia de querer mover a ação. Aos poucos, devido à minha persistência, começaram a acreditar que poderíamos vencer aquela batalha.


Veja – O que a atraiu em especial no caso da contaminação causada pela empresa de eletricidade?

Erin – Os relatos das vítimas despertaram minha atenção. Li sobre o caso e fiquei curiosa para conhecê-las. Aos poucos, aquelas pessoas começaram a se tornar parte de minha vida. Todos os dias eu ia até a cidadezinha atingida pela contaminação e elas faziam hambúrguer e cachorro-quente para mim. Ficaram minhas amigas, tão próximas que algumas se tornaram parte de minha família. Gostava delas. Comecei a encarar minha luta não como um trabalho, e sim como algo que eu fazia pelas pessoas que amava e queria bem. Eu me preocupo com o bem-estar das pessoas, das famílias, das crianças. E todos nós estamos no mesmo barco, respiramos o mesmo ar, compartilhamos os mesmos recursos naturais. Meu grande desafio é fazer com que as pessoas acreditem que vale a pena lutar pela saúde de sua família.


Veja – A senhora costuma dizer que nunca estudaria direito. Mas, se fosse advogada, seu trabalho não seria mais fácil?

Erin – Eu costumava dizer que odiava advogados, mas isso era uma brincadeira. Ocorre que meu trabalho é um pouco diferente do deles. Gosto de estar na rua o tempo todo com as pessoas. Gosto de abraçá-las, confortá-las, ouvir seus desabafos, dar conselhos, fazer parte da vida delas. Quando você se torna advogado, perde essa disponibilidade. Então, acho que faço um trabalho melhor sendo apenas o que sou.


Veja – Em algum momento a senhora se sentiu discriminada pelo fato de ser mulher?

Erin – Em geral, sou bem-aceita em meu trabalho, independentemente de ser mulher ou não. Mas devo admitir que algumas vezes sinto que minha capacidade é colocada em jogo justamente pelo fato de eu ser mulher, o que é um absurdo. Ainda há muito preconceito contra as mulheres, até porque existem mais homens ocupando cargos altos nas empresas. Muita gente pode até duvidar de minha capacidade pelo fato de eu ser mulher, mas nunca me preocupei com isso e nunca deixei de correr atrás dos meus sonhos e atingir meus objetivos.


Veja – A senhora é uma mulher bonita. Isso ajuda ou atrapalha no trabalho?

Erin – Não me acho tão bonita assim, mas sei que chamo atenção pelo fato de ser loira, alta, determinada. Por causa disso, as pessoas que acabo de conhecer geralmente ficam com uma boa impressão, e isso é muito positivo.


Veja – É verdade que, depois que a senhora ganhou o caso contra a PG&E, seu primeiro marido, Shawn Brown, e seu ex-namorado, George, tentaram extorqui-la?

Erin – Sim. Um belo dia, os dois me procuraram com um advogado contratado por eles dizendo que, se eu não lhes pagasse 310 000 dólares, inventariam à imprensa que eu era uma péssima mãe e que tinha um caso com meu chefe. Eu e ele denunciamos a tentativa de extorsão à polícia e George e Shawn foram presos em flagrante. Eles saíram da prisão após pagar 50 000 dólares de fiança. Fiquei arrasada com aquela situação e tive vontade de nunca tê-los conhecido na vida. Mas passou. Com o tempo, tudo passa.


Veja – A senhora conseguiu perdoá-los?

Erin – Hoje meu primeiro marido e eu somos amigos, até porque temos dois filhos e precisamos conversar sobre eles com freqüência. Todo mundo comete erros, e a gente pode escolher entre ficar morrendo de raiva e nunca mais falar com quem cometeu o erro ou aprender a lidar com a situação e relevar mágoas passadas. Em relação a meu ex-marido, preferi a segunda opção.


Veja – O filme sobre sua vida a retratou de forma correta?

Erin – Eu realmente sou daquele jeito. O fato é que nós nunca temos nada a perder na vida quando decidimos ajudar os outros e fazê-los sentir-se bem. No caso mostrado no filme, assim como em todos os outros a que me dediquei posteriormente, sempre pensei da seguinte forma: não tenho nada a perder, e tudo a ganhar. O filme mostrou isso de forma correta.


Veja – O que a senhora achou da atuação de Julia Roberts no papel de Erin Brockovich?

Erin – Devo admitir que foi uma interpretação excelente. No início, não aceitava muito bem, achava a situação estranha. A primeira vez que assisti ao filme estava com meu marido, meu chefe Ed Masry e a mulher dele. Eu e Ed ficamos contando quantas vezes o filme fazia referência à empresa de eletricidade, a PG&E. Prestei atenção no personagem do Ed (interpretado pelo ator Albert Finney). Ed prestou atenção na atuação de Julia Roberts. Depois, outros advogados assistiram ao filme, meus pais, meus amigos. E todos eles vieram me dizer que Julia Roberts havia feito um trabalho perfeito. Eles caíram na gargalhada no cinema, dizendo: "Oh, meu Deus, a Erin faria isso, mesmo" ou "A Erin faz isso o tempo todo". Então, assisti ao filme novamente, dessa vez prestando atenção especial na interpretação de Julia Roberts. E consegui me enxergar no filme, eu me emocionei.


Veja – A senhora conhece Julia Roberts pessoalmente?

Erin – Encontramo-nos várias vezes durante as filmagens e nas cerimônias de entrega de prêmios que o filme ganhou. Mas mal nos conhecemos, não somos amigas. Mesmo assim, temos respeito e admiração uma pela outra.


Veja – O filme teve alguma influência em seu trabalho?

Erin – Muitas pessoas começaram a me respeitar mais porque elas entenderam o que eu fazia. Meus funcionários passaram a me ver com outros olhos depois do filme. Eles compreenderam que naquela época eu realmente estava trabalhando duro para obter bons resultados.


Veja – A senhora é reconhecida nas ruas?

Erin – Algumas pessoas me reconhecem, mas a maioria não. Já chegaram a estranhar, no caixa do supermercado, quando fui pagar a conta com o cartão de crédito, que eu tivesse o mesmo nome do filme da Julia Roberts.

Veja – Como a senhora concilia carreira e filhos?

Erin – Não é nada fácil. Hoje, meus filhos já são crescidos. Matthew tem 21 anos, Katie, quase 20, e Elizabeth, que era um bebê na época do processo contra a firma de eletricidade, já está com 13. Se você me tivesse feito essa pergunta há dez anos, eu provavelmente diria: é um martírio conciliar carreira e crianças. Quando são muito novos, os filhos querem exclusividade 24 horas e não entendem que você não pode estar o tempo todo com eles. Então, quando você chega à noite em casa, eles estão tristes, e você acaba ficando triste por eles. Era mais difícil ainda porque me separei cedo de meu primeiro marido, e as crianças não entendiam e não aceitavam. Mas, conforme meus filhos começaram a crescer e se tornar mais maduros, eles passaram a entender que a mãe deles trabalha fora porque precisa, e não porque não se importa com eles.


Veja – Em sua autobiografia, Podem Acreditar em Mim, a senhora conta que seus filhos mais velhos se envolveram com drogas e que gastou 250 000 dólares em clínicas de reabilitação. Como superou esse drama?

Erin – Isso ainda está presente em nossa vida, o processo de recuperação é muito difícil e não é fácil evitar as recaídas, mas a diferença é que hoje meus filhos são capazes de conversar sobre o assunto comigo, o que não ocorria no passado. Quando descobri que eles estavam envolvidos com drogas, achei que não iria agüentar. Na época, procurei vários psiquiatras e psicólogos em busca de uma solução e achei que o melhor a fazer seria interná-los e afastá-los do grupo de amigos que consumiam entorpecentes. Meu filho Matthew recuperou-se de forma extraordinária, mas minha filha Katie ainda me preocupa porque, aos 19 anos, como a maioria dos adolescentes, ela pensa que nunca vai morrer, o que é uma ilusão.

Veja – De onde a senhora tira tanta valentia?

Erin – De certa forma, foi o fato de sofrer de dislexia que me tornou persistente para conseguir as coisas. Na escola, eu tinha de me esforçar duas vezes mais que os colegas para obter os mesmos resultados. Com o tempo, comecei a pensar da seguinte forma: se uma porta se fecha, uma janela se abre. Ou seja, se não consigo obter aquilo de que preciso agindo da forma como todo mundo age, por ser disléxica, tenho de descobrir outras formas de conseguir os mesmos resultados, ou até resultados melhores.


Veja – A senhora é feliz?

Erin – Sim, e certamente sou mais feliz hoje que há dez anos. Porque todos os dias procuro aprender com meus erros e acertos, adquirir mais experiência de vida. E, quanto mais sabedoria eu tenho, mais confiança eu ganho. E, quanto mais confiante, mais feliz me sinto.

Fonte: http://veja.abril.com.br/010904/entrevista.html

8 comentários:

  1. Oi Tia Tatá!!!Pois é...sabe aquela frase antiga ,mas verdadeira que diz:Uma Andorinha só não faz verão...e bem o caso!!!Eu assisti a esse filme e é muito bom mesmo...dá aquela sensação de podemos tudo, até o impossível!!!
    Saudades de você!!!
    Boa Semana...muitos beijosssss!!!

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  2. Esse filme é MARA!
    Pensar que alguém foi capaz de motivar tantas pessoas e conseguir tantos resultados a partir disso...!!

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  3. Oi Alda! Adorei ler a entrevista e saber mais desta grande mulher. Aliás, um exemplo de pessoa: autêntica, imperfeita (como todos nós deveríamos ser), disciplinada, focada e corajosa para enfrentar os desafios diários que a vida oferece. Nesta entrevista encontramos uma receita fácil de ler sobre o que é ser feliz e bem sucedido.

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  4. Pois é meninas, bom saber que uma mulher assim é de "verdade" não é?
    Inspiração para nós sem dúvidas.

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  5. Ouw, super obrigada por postar a entrevista aqui!
    Incrivel e digna de admiração!

    Beijos!

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  6. Que silêncio é esse???

    Dê o ar da graça...afinal minha grande incentivadora deve dar o exemplo!!!
    Sinto tua falta...Beijos!!!

    Boa Semana!!!

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  7. Realmente esse filme e lindo ė uma història marcante ,ja assisti varias vezes e sempre que assisto eu fico com aquela censsação de que tudo é possível; se você ter fé e acreditar ,e correr atraz dos seus objetivos e sonhos.

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    1. É isso mesmo Leandra, esse filme é bem inspirador. Vontade de assisti-lo de novo. Beijos!

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Oi?