13 abril, 2016

Trecho: Crônicas de quase amor

"Encaro os dois rostos amados à minha frente e sorrio. Meus amigos. O Wash, seríssimo, fuma enquanto me dá um esporro homérico por alguma besteira que eu fiz. A Adri só balança a cabeça e concorda com monossílabos, aliviada, porque enquanto ele grita comigo não grita com ela e Deus sabe que ela também aprontou. No meio da bronca sorrio e me encosto na cadeira, feliz. Não existe nenhum outro lugar no mundo que eu quisesse estar tanto quanto aqui, no restaurante da Eli, com esses dois se metendo na minha vida."

" Bem que eu avisei. O jogo seria duro e sua alma ainda era frágil para enfrentá-lo. Avisei que ela não sabia onde ela estava se enfiando, que o páreo seria, coisa de profissional. Mas ela não me ouviu. Mesmo com esse monte de avisos a teimosa deu de ombros e foi. Encarou um final de semana em Ilha Bela com o Jonas e as três filhas do primeiro casamento dele. Seguiu na mais das perigosas viagens. Voltou de lá domingo à noite. Segunda a tarde, recomeçou com a terapia. Bem que eu avisei."

"A Lourdes queria ir. O Alemeida não queria não. A Lourdes falou que ia estar animado, colorido, ia até ter grupo de pagode. O Almeida falou que ia estar cheio, sem lugar para estacionar, barulhento e bagunçado. A Lourdes pediu por favor, disse que queria muito, adoçou a voz. O Almeida disse não. A Lourdes disse tudo bem. Ela iria sozinha. O Almeida berrou que sozinha ela não ia porra nenhuma. Quando a Lourdes começou a chorar, ele lembrou a ela, sem berrar, que de mais a mais o coração dele estava falhando e que o médico tinha dito que ele não podia se estressar, lembra? Era a chantagem suprema. A Lourdes disse que tudo bem, e eles ficaram em casa. No meio da tarde os dois assistindo Gugu, o Almeida teve um ataque. Coração. Chegou ao pronto socorro morto. O enterro foi no dia seguinte. A Lourdes não chorou uma lágrima."

"O alívio na voz dele dizendo que sim, quando perguntei se queria pegar uma ponte aérea mais cedo que o planejado, me fez tão mal, que eu quase vomitei."

"A Dalva me ligou chorando, aos soluços quase à uma da manhã. Parece que ela mandou uma foto para o namorado da internet que mora em Salvador. Aí ele ligou para ela dizendo que mesmo vendo a foto ainda queria vir para Sampa conhecê-la. Consolei, fiz barulhinhos de amparo, disse que ela havia entendido mal o significado da frase e desliguei. "Mesmo" vendo a foto? Jesus, onde a gente arranja esses homens?"

"Se eu queria fazer essa viagem? Ah, queria muito, queria mesmo. Mas, quando tudo estava pronto e minha mala estava fechadinha, ele ligou para pedir que eu levasse meu cd-man. Explicou que iam ser 45 dias na Europa e que era muito tempo para ele ficar sem ouvir seus cds de axé. Disse que tudo bem e desliguei o telefone. Fiquei parada, um tempão olhando para lugar nenhum, tentando descobrir seu queria passar 45 dias dormindo e acordando ao lado de um homem que não consegue ficar "tanto tempo" sem ouvir axé. Acabei descobrindo que não queria não. Liguei de volta e expliquei porque eu não ia mais."

"Ele me disse, pelo telefone, que naquela época, não estava preparado para mim. Mas que seria meu eterno apaixonado. Disse a ele com todas as letras o que ele podia fazer com sua eterna paixão. Depois tranquei a porta do banheiro e abri a torneira. Nunca chorei tanto na vida."

"- Sabe o que você precisa Manuela? Encarar sua mãe de frente, sem amarras, mostrar para ela que você cresceu e não tem medo de conflitos!
- Belo conselho, vindo de um homem que só fala com a própria mãe duas vezes por ano, pelo telefone e depois que desliga, fica três horas em posição fetal.!
- Já disse que não é posição fetal e sim uma posição hindu de relaxamento.
- Abraçado num cobertorzinho de bichinhos, Renato?"

Trechos do livro Crônicas de quase amor, Fabia Vitiello. A Fal.

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