03 junho, 2016

A Ju

Eu fiz faculdade um tanto tarde. Estava com 26 anos quando voltei a estudar.
E voltei bem diferente. Um tanto CDF e disciplinada. De uma forma que não tinha sido até então em minha vida de estudante.
Antes disso eu acompanhei de perto duas amigas do trabalho que faziam faculdade e via o tanto de reclamações que elas faziam das dificuldades de fazer os trabalhos em grupos. Fulano não aparece nos encontros marcados, fulana não fez a parte dela no trabalho, sicrano não tá nem aí...
Então nos meus primeiros dias de aula eu me dediquei a observar os alunos e tentar adivinhar quem parecia legal e com cara de responsável para eu "colar junto" e formar um grupo porreta.
Foi aí que eu reparei na Ju. Ela sentava em uma das primeiras carteiras e me parecia uma pessoa bem legal. Com um jeitão todo dela. Tinha cara de legal e de amiga.
E eu me aproximei (propositalmente e intencionalmente) e acertei. Em cheio. Arrumei uma parceira ponta firme para fazer os trabalhos e (o melhor!) uma amiga.
A Ju é uma figura. Fazia amizade fácil. Tinha um papo bom, fosse sério ou para falar besteiras. 
Ela chamava os meninos de "viado" a cada 5 minutos e eu nunca vi um deles responderem com grosseria ou revidarem. Olha só: chamar um homem de viado é um insulto e tanto para eles!
"Ô viado! Me empresta o isqueiro?", "Ô viado...fala isso não..." E todos gostavam dela e nem ligavam. Na verdade o jeito que ela falava nem parecia que era essa a palavra. 
De cara nos entendemos e seguimos juntas, os 4 anos de curso.
- Ju, vamos mudar de grupo? Esse não tá dando.
- Putz Alda, tava pensando nisso sabia? Vamos sim.
E lá íamos em busca de um grupo novo.
Adorava ouvir as histórias dela. 
Na adolescência, com alguns atritos com os pais foi fazer terapia. Nas sessões, não sei o porquê, mas a psicóloga começou a falar sobre a Bíblia e ela leu o Novo Testamento inteirinho. Sem nenhuma pretensão religiosa. Só para entender. Pra conhecer.
Com a mãe ela adquiriu uma consciência ecológica rara até naquele tempo. A mãe, ela dizia, não fazia o típico discurso quando ela ou o irmão demoravam no banho de "seu pai não é sócio da Light" mas sim, "olha o tanto de energia elétrica que você tá gastando, o planeta não vai aguentar não!"
Um dia fomos fazer um trabalho na casa dela a noite. Saímos do trabalho e fomos para lá. Esperando algumas das meninas chegarem ela disse: gente, vocês não se importam de eu ir tomar um banho enquanto elas não chegam? E lá foi ela. Ficamos na sala conversando e alguns minutos depois ouvimos ela descendo as escadas. Pensei que ela estava voltando para pegar algo, a toalha, sei lá, mas ela já tinha tomado banho. E lavado o cabelo! Tudo bem que ela tinha o corte curto mas mesmo assim...fui muito rápido! Começamos a brincar dizendo que ela não tinha tomado banho não e ela "ô viada!_é, ela também nos chamava assim =)_lógico que eu tomei! não precisa de tanto tempo assim não, tomei banho direitinho,quer me cheirar?"
Ríamos muito com ela.
Me admirava como ela lidava com maturidade com os problemas. Encarava os fatos, olha a realidade de frente, buscava entender mais de tudo aquilo, sofria, mas não superestimava o problema. Não sofria em vão.
Na época ela namorava o Neni. Que logo se enturmou com a gente e parecia que era do grupo também.
Um dia, conversando sobre anticoncepcionais ela falou: 
- Eu tomo o "XYZseiláoque". Mas o Neni usa camisinha também.
Diante do riso e das brincadeiras das meninas de "não te ensinaram não? ou é um ou outro" e ela respondia: a sei lá né? Homem é fogo, a gente não pode confiar muito não...
E eu pensei: olha...ela tá certíssima viu! E logo tratei de fazer o mesmo.
Juntas pagávamos o maior pau para o prof.Lira de Sociologia. Sentávamos lá na frente e grudávamos os olhos e os ouvidos naquele homem bonitão_pelo o menos a gente achava_e culto. Que nos explicava tanta coisa interessante e de uma forma tão clara que a gente não tinha como não suspirar por ele. Quantas vezes diante de uma explicação a gente se entreolhava com aquela cara de "meu! olha isso que ele falou!" eram como clarões na nossa mente que ampliavam a forma da gente enxergar as coisas.
Uma vez, fomos fazer trabalho em um sábado e estava um dia muito quente. Ela chegou de banho recém tomado, de shorts jeans (como esses que as meninas usam hoje em todos lugares, mas não era moda naquele tempo) e regata. Dava para ver bem as celulites nas suas coxas e ela nem se importando. Quando viu alguns olhares de outras meninas disse: meu, mulher é fogo né? quê que tem eu tenho celulite?? todas nós temos! mó calor, mó sol, não vou usar meu shorts porquê?"
No segundo ano ela comprou um carro e dirigia feito uma louquinha. Quando eu disse que tinha medo de andar com ela riu alto e disse: verdade Aldinha? Por que?
Daí teve o dia que fomos nós duas tomar uma cerveja no bar do Wagnão em frente a faculdade. Acabamos de sentar na mesa, entra no bar uns 03 ou 04 policiais mandando todo mundo para fora de forma grosseira para dar "uma geral". 
Do nosso lado uma policial feminina esmurra a mesa de uns garotos e grita: não ouviram porra? tão surdos? pra fora!
Nós duas também levantamos e a Ju falou para ela: o que está acontecendo?
Eu não sei como a policial respondeu de uma forma bem mais "neutra":
- Precisamos dar uma geral em todo mundo, vamos encostem na parede e ponham as mãos para cima.
A Ju calmamente respondeu:
- Olha...então a gente vai voltar pra faculdade.
Eu não me lembro bem o que a policial respondeu até porque eu tinha certeza que ela iria encrespar com a gente como fez com os garotos, mas ela meio que concordou com um "vão logo então" e foi saindo.
Nós atravessamos a rua e ficamos olhando com a pequena multidão que observava o "show" e só lamentamos a cerveja que pagamos e não bebemos.
A Ju, uma figura!
Ela faz parte do "bom do tempo da facu". Ela e o Lira. =)
Hoje temos pouco contato. Mas sei que o afeto e a consideração uma pela outra se mantém. 
Hoje ela está casada_ não com o Neni. Tem um filhinho e é uma mãe atenta e dedicada.
Por que estou escrevendo tudo isso?

É que me deu saudades dela e me lembrei de um monte de coisas. 
Uma vez uma pessoa me disse: quando você fizer faculdade você vai ver, sua cabeça muda. Não tem como, parece que tudo amplia sabe? Sua mente se expande e você muda. Fica melhor.
E é verdade. Muda mesmo. E com certeza a Juliana contribui muito para a minha.

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