13 julho, 2005

Control c + Control v

Hoje como tenho muuiiita coisa prá fazer e não vou poder me demorar por aqui, resolvi colocar um texto que meu irmão escreveu no blog dele e que eu achei muito bom, e acredito (muito!) que tem muito mais a agregar do que meus posts fragmentados e reclamões.

London, London
Não sei se vocês notaram, mas é que eu falo tanta besteira que às vezes as pessoas esquecem que sou uma pessoa política e comprometida com o social. E que eu faço mestrado em Linguística. Lembrando isso a todos, venho comentar aqui, os episódios que aconteceram em Londres essa semana.


A gente que estuda Linguística e que, através da Análise do Discurso, enveredamos pela construção da História e dos modos de narrar o mundo, procuramos ter sempre em mente a referenciação como a principal ferramenta para construir os objetos do discurso e consequentemente o mundo. Por isso chamamos de referenci"ação", uma ação de referir, e não referência como acreditavam alguns filósofos clássicos que investigavam qual a relação entre nome e coisa.

As pessoas pensam que as palavras se ligam às coisas de maneira linear e definitiva. Não, não é assim. As coisas não são como são. As coisas são como a gente as vê e como as definimos através da linguagem. Os valores que damos a cada objeto do discurso são frutos da nossa experiência social e das nossas crenças. Exemplo? Osama Bin Laden. Para a maioria dos ocidentais, ele representa o terrorismo, a crueldade, a morte de inocentes... Para o mundo árabe, a salvação, o revolucionário, o exemplo a ser seguido. Bin Laden mesmo, talvez ninguém saiba quem é, como é. Mas as palavras dos outros que o consitui como sujeito, essas sim, sabemos.

A morte do Papa João Paulo II para os católicos teve um significado. Para os evangélicos, talvez nenhum. Até mesmo quando falamos: "Fulana, aquela coisinha simpática", esse "coisinha" já diz muita "coisa", diferente de "Olha que coisinha mais linda"... Pois as palavras só encontram significação no evento discursivo em que ocorrem. O dicionário, nesta perspectiva, não deixa de ser uma tentativa de convencionalizar os usos linguísticos, mas sempre estará em defasagem, pois a cada momento estamos atribuindo novos sentidos para as coisas do mundo, seja formalmente ou mesmo através das gírias.

É assim que construímos o mundo linguisticamente. Ao definirmos uma coisa, um ser, não estamos simplesmente nomeando-o, mas, nos colocando a respeito, revelamos pelas palavras que proferimos nossas crenças, nossas convicções, um pouco de nós também.Aí entra a imprensa e a invenção das coisas. É impressionante o papel da imprensa, pois, muito do que há no mundo só existe por que a imprensa noticia. O que a imprensa não noticia, simplesmente deixa de existir. Essa CPI de agora, daqui a alguns meses simplesmente deixará de existir, por que a imprensa não noticiará mais. O caso da Suzanne que matou os pais, voltou à tona porque a imprensa noticiou sua liberdade, caso o contrário, não estaríamos dando a mínima...

Mas o problema é que a imprensa também, quando noticia, revela sua visão de mundo, e, mais, faz com que acreditemos na sua suposta neutralidade para crermos que aquilo que noticia é a mais pura verdade.

Vejam o episódio de Londres. Acompanhei especialmente nos telejornais da Globo. Sempre se mostrava o lado trágico, a crueldade da morte de inocentes. As narrativas, procuravam nos aproximar dos ingleses através dos fatos do cotidiano, como: "trabalhadores, pessoas simples, que saíam para trabalhar, sem saber que não voltariam mais para casa...". Imagens do incidente, pessoas sangrando, música triste ao fundo, tudo isso para nos comover pela morte de nossos irmãos ocidentais democratas...

No entanto, a imprensa nunca nos mostra o que a Inglaterra faz lá no Iraque. Quantos iraquianos eles matam todos os dias, quantas crianças foram mortas nos bombardeios, imagens de pessoas que sequer têm onde trabalhar e que saíram de casa para morrer, isso quando saíram, quando não foram massacrados por mísseis, carros-bombas... Mulheres estupradas por soldados, homens humilhados diante das suas crenças religiosas, crianças órfãs, sem comida, sem casa e que têm como trilha sonora não uma musiquinha triste de fim de jornal, mas bombas e metralhadoras...Não se mostram essas imagens com uma musiquinha triste ao fundo aqui no Ocidente. E nós acreditamos que somos o bem e eles o mal... Porque a imprensa nos fabrica uma realidade pré-moldada. Ela não nos deixa tirar conclusões, ela já nos dão prontas.

Na África, a cada três segundos, morre uma criança de pobreza. Mas é melhor gastar todo o tempo de jornal mostrando a morte de 50 londrinos num país rico, que morreram (inocentemente? talvez...) porque seu país, que se julga livre, não respeita a liberdade dos outros. A África sofre com as injustiças e ninguém faz nada, nenhum país vai lá libertar o povo da míséria... Ah, esqueci, a África não tem petróleo... O que é que EUA e Inglaterra vão fazer lá, não é mesmo?Por isso, não tive um pingo de pena das pessoas que morreram em Londres. Poderia ter sido eu, um parente?... Talvez... Injustiças por injustiças, prefiram ter pena das crianças iraquianas que sequer têm comida, liberdade, pátria. Ter pena das crianças da África, daquelas que morreram de fome enquanto estava aqui escrevendo esse texto e você está lendo... África que tantos anos sofreu com o Apartheid que justamente os ingleses implantaram lá; que tantas vezes foi explorada pela colonização britânica...

Julgar? Deus, lá em cima, que o faça. Eu apenas lamento que o mundo esteja resolvendo com mortes suas questões. Pena dos londrinos? Eles são desenvolvidos demais pra que tenhamos isso deles... Que eles mantenham tropas no Iraque...Falei demais não foi?

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